terça-feira, 9 de abril de 2013

Mensagem aos umbandistas

Foi, há muito tempo atrás que essa história aconteceu. Contada aqui de uma forma romanceada, mas que trás em sua essência, uma verdadeira mensagem para os umbandistas.


Ela começa em uma noite escura e assustadora, daquelas de arrepiar os pelos do corpo. Realmente o Sol tinha escondido- se nesse dia, e a Lua tímida, teimava em não iluminar com seus encantadores raios brilhosos como fios de prata, a morada dos Orixás.
Nessa estranha noite Ogum, o Orixá das "guerras", saiu do alto ponto onde guarda todos os caminhos e dirigiu-se ao mar. Lá chegando, as sereias começaram a cantar e os seres aquáticos agitaram-se. Todos adoravam Ogum, ele era tão forte e corajoso.
Iemanjá que tem nele um filho querido, logo abriu um sorriso, aqueles de "mãe coruja" quando revê um filho que há tempos partiu de sua casa, mas nunca de sua eterna morada dentro do coração:
- Ah Ogum, que saudade, já faz tanto tempo! Você podia vir visitar mais vezes sua mãe, não é mesmo? Ralhou Iemanjá, com aquele tom típico de contrariedade
- Desculpe, sabe, ando meio ocupado, respondeu triste Ogum.
- Mas, o que aconteceu? Sinto que estás triste.
- É,  vim até aqui para "desabafar" com você "mãezinha". Estou cansado! Estou cansado de muitas coisas que os encarnados fazem em meu nome. Estou cansado com o que eles fazem com a "espada da Lei"que julgam carregar. Estou cansado de tanta demanda. Estou muito mais cansado das "supostas" demandas, que apenas existem dentro do íntimo de cada um deles...Estou cansado...
Ogum retirou seu elmo, e por trás de seu bonito capacete, um rosto belo e de traços fortes pôde ser visto. Ele chorava. Chorava uma dor que carregava há tempos. Chorava por ser tão mal compreendido pelos filhos de umbanda.
Chorava por ninguém entender, que se ele era daquele jeito, protetor e austero, era porque em seu peito a chama da compaixão brilhava. E, se existe um Orixá leal e companheiro, esse Orixá é Ogum. Ele daria a própria Vida, por cada pessoa da humanidade, não apenas pelos filhos de fé. Não! Ogum amava a humanidade, amava a vida.
Mas infelizmente suas atribuições não eram realmente entendidas. As pessoas não viam em sua espada, a força que corta as trevas do ego, e logo a transformavam em um instrumento de guerra. Não vinham nele a potência e a força de vencer os abismos profundos, que criam verdadeiros vales de trevas na alma de todos. Não viam em sua lança, a direção que aponta para o autoconhecimento, para iluminação interna e eterna.
Não! Infelizmente ele era entendido como o “Orixá da Guerra", um homem impiedoso que se utiliza de sua espada para resolver qualquer situação. E logo, inspirados por isso, lá iam os filhos de fé esquecer dos trabalhos de assistência aos espíritos sofredores, a almas perdidas entre mundos, aos trabalhos de cura, esqueciam do amor e da compaixão, sentimentos básicos em qualquer trabalho espiritual, para apenas realizarem "quebras e cortes" de demandas, muitas das quais nem mesmo existem, ou quando existem, muitas vezes são apenas reflexos do próprio estado de espírito de cada um. E mais, normalmente, tudo isso se torna uma guerra de vaidade, um show "pirotécnico" de forças ocultas. Muita "espada", muito "tridente", muitas "armas", pouco coração, pensamento elevado e crescimento espiritual.
Isso magoava Ogum. Como magoava.
Ah filhos de Umbanda, por que vocês se esquecem que Umbanda pura é simplesmente amor e caridade? A minha espada sempre protege o justo, o correto, aquele que trabalha pela luz, fiando seu coração em Olorum. Por que esquecem que a Espada da Lei só pode ser manuseada pela mão direita do amor, insistindo em empunhá-la com a mão esquerda da soberbia, do poder transitório, da ira, da ilusão, transformando-a em apenas mais uma espada semeadora de tormentos e destruição...
Então, Ogum começou a retirar sua armadura, que representava a proteção e firmeza no caminho espiritual que esse Orixá traz para nossa vida. E totalmente nu ficou frente a Iemanjá. Cravou sua espada no solo. Não queria mais lutar, não daquele jeito. Estava cansado...
Logo um estrondo foi ouvido e o querido, mas também temido Tatá Omolu apareceu. E por incrível que pareça o mesmo aconteceu. Ele não aguentava mais ser visto como uma divindade da peste e da magia negativa. Não entendia, como ele, o Guardião da Vida podia ser invocado para atentar contra Ela. Magoava-se por sua alfanje da morte, que é o princípio que a tudo destrói, para que então a mudança e a renovação aconteçam, ser tão temida e mal compreendida pelos homens.
Ele também deixou sua alfanje aos pés de Iemanjá, e retirou seu manto escuro como a noite. Logo via-se o mais lindo dos Orixás, aquele que usa uma cobertura para não cegar os seus filhos com a imensa luz de amor e paz que irradia-se de todo o seu ser. A luz que cura, a luz que pacifica, aquela que recolhe todas as almas que perderam-se na senda do Criador. Infelizmente os filhos de fé esquecem disso...
Mas o mais incrível estava por acontecer. Uma tempestade começou a desabar aumentando ainda mais o aspecto incrível e tenebroso daquela estranha noite. E todos os outros Orixás começaram a aparecer, para logo, começarem também a despir suas vestimentas sagradas, além de deixarem ao pé de Iemanjá suas armas e ferramentas simbólicas.
Faziam isso em respeito a Ogum e Omolu, dois Orixás muito mal compreendidos pelos umbandistas. Faziam isso por si próprios. Iansã queria que as pessoas entendessem que seus ventos sagrados são o sopro de Olorum, que espalha as sementes de luz do seu amor. Oxossi queria ser reverenciado como aquele que, com flechas douradas de conhecimento, rasga as trevas da ignorância. Egunitá apagou seu fogo encantador, afinal, ninguém lembra da chama que intensifica a fé e a espiritualidade. Apenas daquele que devora e destrói. Os vícios dos outros, é claro.
Um a um, todos foram despindo-se e pensando quantos filhos de Umbanda compreendiam erroneamente os Orixás.
Iemanjá totalmente surpresa e sem reação, não sabia o que fazer. Foi quando uma irônica gargalhada cortou o ambiente. Era Exu. O controvertido Orixá das Encruzilhadas, o mensageiro, o guardião, também chegava para a reunião, acompanhado de Pomba Gira, sua companheira eterna de jornada.
Mas os dois estavam muito diferentes de como normalmente apresentam-se. Andavam curvados, como que segurando um grande peso nas costas. Tinham na face, a expressão do cansaço. Mas, mesmo assim, gargalhavam muito. Eles nunca perdiam o senso de humor!
E os dois também repetiram aquilo que todos os Orixás foram fazer na casa de Iemanjá. Despiram-se de tudo. Exu e Pomba Gira, sem dúvida, eram os que tinham mais razões de ali estarem. Enumeros eram os absurdos cometidos por encarnados em nome deles. Sem contar o preconceito, que o próprio umbandista ajudou a criar, dentro da sociedade, associando-o a figura do Diabo:
- Háhaha, lamentável essa situação, hahaha, lamentável! Exu chorava, mas Exu continuava a sorrir. Essa era a natureza desse querido Orixá.
Iemanjá estava desesperada! Estavam todos lá, pedindo a ela um conforto. Mas nem mesmo a encantadora Rainha do Mar, sabia o que fazer:
Espere! - pensou Iemanjá – Oxalá não está aqui! Ele com certeza saberá como resolver essa situação.
E logo Iemanjá colocou-se em oração, pedindo a presença, daquele que é o Rei entre os Orixás. Oxalá apresentou-se na frente de todos. Trazia seu opaxorô, o cajado que sustenta o mundo. Cravou ele na Terra ao lado da espada de Ogum. Também despiu-se de sua roupa sagrada, pra igualar-se a todos, e sua voz ecoou pelos quatro cantos de Orun:
Olorum manda uma mensagem a todos vocês meus irmãos queridos! Ele diz para que não desanimem, pois, se poucos realmente os compreendem, aqueles que assim o fazem, não medem esforços para disseminar essas verdades divinas. Fechem os olhos e vejam, que mesmo com muita tolice e bobagem relacionada e feita em nossos nomes, muita luz e amor também está sendo semeado, regado e colhido, por mãos de sérios e puros trabalhadores nesse às vezes triste e abençoado planeta Terra. Esses que muito além de "apenas" prestarem o socorro espiritual, plantam as sementes do amor dentro do coração de milhares de pessoas. Esses que passam por cima das dificuldades materiais, e das pressões espirituais realizando um trabalho magnífico, atendendo milhares na matéria, mas também, milhões no astral, construindo verdadeiras "bases de luz" na crosta, onde a espiritualidade e religiosidade verdadeira irão manifestar-se. Esses que realmente nos compreendem e buscam-nos dentro do coração espiritual, pois é lá que o verdadeiro Orum reside e existe. Esses incríveis filhos de Umbanda, que não colocam as responsabilidades da vida deles em nossas costas, mas sim, entendem que tudo depende exclusivamente deles mesmo. Esses fanáticos trabalhadores anônimos, soltos pelo Brasil, que honram e enchem a Umbanda de alegria, fazendo a filhinha mais nova de Olorum brilhar e sorrir...
Quando Oxalá calou-se os Orixás estavam mudados. Todos eles tinham suas esperanças recuperadas, realmente viram que se poucos os compreendiam, grande era o trabalho que estava sendo realizado, e talvez, daqui algum tempo, muitos outros juntariam-se nesse ideal. E aquilo alegrou-os tanto que todos começaram a assumir suas verdadeiras formas, que são de luzes, fulgurantes e indescritíveis. E lá do plano celeste, brilharam e derramaram-se em amor e compaixão pela humanidade.
Em Aruanda, os caboclos, pretos-velhos e crianças fizeram o mesmo. Largaram tudo, também despiram-se e manifestaram sua essência de luz, sua humildade e sabedoria comungando a benção dos Orixás.
Na Terra, baianos, marinheiros, boiadeiros, ciganos e todos os povos de Umbanda sorriam. Aquelas luzes que vinham lá do alto os saudavam e abençoavam seus abnegados e difíceis trabalhos. Mas uma ação dos Orixás nunca fica limitada, pois é Divina, alcançando assim, a tudo e a todos. E lá no baixo astral, aqueles guardiões e guardiãs da Lei nas trevas também foram alcançados pelas luzes deles, os Senhores do Alto. Largaram as armas, as capas, e lavaram suas sofridas almas, com aquele banho de luz. Lavaram-se seus corações magoados por tanta tolice dita e cometida em nome deles. Exus e Pomba Giras, naquele dia foram tocados pelo amor dos Orixás, e com certeza, aquilo daria forças para mais muitos milênios de lutas insaciáveis pela Luz.
Milhares de espíritos foram retirados do baixo astral, e pela vibração dos Orixás puderam ser encaminhados novamente à senda que leva ao Criador. E na matéria toda a humanidade foi abençoada. Aos tolos que pensam que Orixás pertencem a uma única religião ou a um povo ou tradição, um alerta. Os Orixás amam a humanidade inteira, e por todos olham carinhosamente.
Aquela noite que tinha tudo para ser uma das mais terríveis de todos os tempos, tornou-se benção na vida de todos. Do alto ao embaixo, da esquerda a direita, as egrégoras de paz e luz deram as mãos e comungaram daquele presente celeste, vindo diretamente do Orun, a morada celestial dos Orixás.

Vocês filhos de Umbanda, pensem bem! Não transformem a Umbanda em um campo de guerra, onde os Orixás são vistos como "armas", para vocês acertarem suas contas terrenas. Muito menos esqueçam o amor e compaixão,  chaves de acesso ao mistério de qualquer um deles. Umbanda é simples, é puro sentimento, alegria e razão. Lembrem-se disso. E quanto a todos aqueles, que lutam por uma Umbanda séria, esclarecida e verdadeira, independente da linha seguida, lembrem-se das palavras de Oxalá ditas linhas acima. Não desanimem, com aqueles que vos criticam, não fraquejem por aqueles que não tem olhos para ver o brilho da verdadeira espiritualidade. Lembrem-se que vocês também inspiram e enchem os Orixás de alegria e esperança. A todos que lutam pela Umbanda nessa Terra dos Orixás, esse texto é dedicado. Honrem-lo. Sejam luz, assim como Eles!!!

Exe ê Babá ( Salve Pai Oxalá)
Ogum yê meu Pai
Saravá todos os Orixás
Laroyê Exu e Pomba Gira
Axé A todos.

Por Fernando Sepe - Retirado do Jornal de Umbanda Sagrada 
Março de 2008    

  
   
   

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